top of page

Saneamento básico, saúde pública e pandemia

  • majutavares
  • 16 de mar. de 2021
  • 4 min de leitura

ACESSO A SANEAMENTO BÁSICO

A pandemia evidenciou as falhas do saneamento básico brasileiro: para poder ficar em casa na quarentena e lavar sempre as mãos, é preciso ter acesso à água encanada, o que nem sempre é o caso em um país onde muitos ainda dependem de carros-pipa e convivem com esgoto a céu aberto. Embora 85,5% da população receba água encanada, a coleta de esgoto só chega a 53% - e, do que é coletado, apenas 46% é tratado. Quase 40% dos municípios brasileiros não contam com nenhuma coleta de esgoto, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicada em julho de 2020.


Essa desigualdade tem múltiplas dimensões. Ela é regional: enquanto 91% da população do Sudeste recebe água encanada, no Norte são apenas 57%; é social: em todas as regiões do país, periferias e favelas sofrem com esgoto a céu aberto; é territorial: o saneamento rural é precário, com apenas 11% da população atendida pela rede de água e 0,8% do esgoto coletado; e é de gênero, porque as mulheres ainda são responsáveis pela maior parte das tarefas que exigem contato com a água, aponta o relatório Mulheres e saneamento, do Instituto Trata Brasil.


"Está claro que as pessoas que mais sofrem com a falta d'água são as mais vulneráveis, tanto aquelas que vivem em assentamentos precários, em situação de rua, quanto quem não tem caixa-d'água e fica à mercê de um abastecimento intermitente", afirma Vanessa Empinotti, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC). Em março, quando começou o isolamento social no Brasil, lideranças de várias partes do país apresentaram listas de reivindicações ao poder público para ajudar periferias e favelas a atravessar a quarentena.

Em resposta, diversos estados adotaram medidas como a suspensão dos cortes de fornecimento durante a pandemia, segundo o estudo "A Covid-19, a falta de água nas favelas e o direito à moradia no Brasil", do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). "Olhando o caso do saneamento, vemos a desigualdade do Brasil como um todo", resume o pesquisador. Em estudo realizado em 2019 para a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), Heller, que é relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para o direito humano à água e ao saneamento básico, explorou as diferentes dimensões da desigualdade, comparando lares em estados ricos, de famílias brancas e urbanas, com lares em estados pobres, de famílias negras e rurais.


O acesso ao esgoto tratado, nas primeiras, é de 92%; nas segundas, de 16% - uma diferença de 76 pontos percentuais. "Por que a desigualdade é tão marcante? Ela resulta de políticas públicas historicamente implementadas, orientadas pela viabilidade econômica", explica. No estudo, Heller assinala que a lógica da viabilidade econômica orientou até mesmo o planejamento na década de 1970, quando as companhias estatais foram criadas. O resultado foi uma expansão desigual do acesso a água e esgoto, em que regiões já mais ricas foram favorecidas. Para o pesquisador, as alterações na lei de saneamento reforçam essa abordagem.


CAPITAL PRIVADO/ ESTATAIS

A reforma que alterou o marco legal do saneamento tem entre seus propósitos a atração de investimentos privados ao setor. Hoje, 7% da população vive em áreas sob concessão da iniciativa privada.


As maiores críticas à atuação do capital privado partem do princípio de que é inconveniente tratar água e esgoto como mercadorias, porque pode levar a aumentos de tarifas, exclusão de populações pobres e intensificação da desigualdade. Rocha explica que a função da empresa pública deve ser entendida em um escopo mais amplo do que o fornecimento do serviço. "As estatais têm uma função de política pública que, por definição, não pode ser mercantilizada", observa, citando o remanejamento de recursos e a possibilidade de recorrer a subsídios.


Para Smiderle, o problema não está em considerar o saneamento e o esgoto como mercadorias ou não, mas em proporcionar um quadro legal em que o serviço seja, de fato, oferecido. "O importante não é se a empresa é estatal ou privada, mas se a população está recebendo a água e se o esgoto está sendo tratado", resume.


Segundo o economista Marco Antonio Rocha, do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit) do IE-Unicamp, "seria boa política econômica aumentar o investimento público no setor, principalmente lembrando que o investimento em saneamento básico tem uma forte indução de emprego e renda e gera a redução de outros gastos públicos, como em saúde".


No entanto, o saneamento é um dos serviços públicos que menos avançaram no Brasil, se comparado a educação, saúde e telecomunicações. O Plansab prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, o que exigiria passar a investir acima de R$ 25 bilhões por ano, na estimativa do governo.



PERSPECTIVA AMBIENTAL

Considerando o volume da água retirada dos mananciais, a quantidade de esgoto produzida diariamente e a necessidade de construir represas e tubulações, o saneamento está diretamente vinculado ao meio ambiente. O abastecimento de água tem relação direta com o manejo de recursos hídricos e o recolhimento de águas pluviais é um elemento que vincula o saneamento ao urbanismo. Essa conjunção de dimensões faz do saneamento "o maior avanço de saúde pública no último século", conforme a expressão de livro editado pelos pesquisadores Rita de Cássia Franco Rêgo e Maurício Lima Barreto (ambos da Universidade Federal da Bahia) e Cristina Larrea-Killinger (Universidade de Barcelona).


A crise climática é presença constante nas páginas do Plansab, que promove a articulação com o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA). No próprio Plansab, são listados como paradigmas do saneamento no século XXI "a sustentabilidade, a gestão integrada das águas urbanas, o saneamento ecológico, a reciclagem e o combate às mudanças climáticas globais". Uma de suas metas é "reduzir significativamente" até 2030 o número de mortes em catástrofes ligadas ao clima.


Com efeito, inundações e deslizamentos de terra deverão ser mais frequentes e, ao mesmo tempo, secas e estiagens vão se tornar mais comuns, criando desafios novos para a gestão da água e do esgoto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em cinco anos, metade da população mundial viverá em áreas sob intenso estresse hídrico.




 
 
 

Opmerkingen


Post: Blog2_Post

©2019 by eco.me. Proudly created with Wix.com

bottom of page