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Gestão das águas e gestão urbana: caminhos para integração

  • majutavares
  • 24 de fev. de 2021
  • 6 min de leitura

Gestão da água no meio urbano

A Bacia do Alto Tietê, cuja delimitação física quase coincide com a da Região Metropolitana de São Paulo, constitui um caso paradigmático sobre as dificuldades e a urgência de processos de articulação e integração estáveis entre as práticas de gestão urbana e de gestão das águas.

A consideração sobre as perspectivas de longo prazo no aproveitamento dos recursos e o equilíbrio entre alternativas de expansão de capacidade e gestão da demanda são atributos que vêm sendo associados a uma visão mais recente da gestão de recursos hídricos, conhecida como gestão integrada. Iniciativas voltadas ao controle de poluição na fonte, contrapostas à postura convencional de ampliar as capacidades estruturais de tratamento dos efeitos, constituem elementos de gestão integrada que cada vez mais se aplicam ao caso das bacias urbanizadas. No entanto, esse desenvolvimento da cultura de gestão não se faz de maneira uniforme e abrangente em todos os setores e usos. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, a legislação de proteção aos mananciais de 1975-1976 constituiu avanço substantivo na linha da gestão integrada.

A gestão integrada de recursos hídricos, da forma como hoje vem sendo considerada na literatura nacional e internacional (ver Dourojeanni e Jouravlev, 2001), tem como principais fundamentos o uso sustentado dos recursos, a abordagem multisetorial e o emprego de medidas não estruturais, entre as quais se destaca a gestão de demanda. Essa concepção ampla da gestão dos recursos é um quase corolário do conceito de desenvolvimento sustentável, que associa o processo de desenvolvimento à eqüidade social e à manutenção da capacidade de suporte dos sistemas ambientais (Muñoz, 2000).

Na abordagem direcionada a bacias densamente urbanizadas, o conceito de integração aplica-se indistintamente sobre os vetores setorial - no sentido de combinar diferentes usos - e territorial, no sentido de cortar horizontalmente distintas jurisdições sobre o território. No plano da integração setorial, a gestão integrada das bacias urbanizadas incorpora, além dos múltiplos usos dos recursos hídricos em si mesmos - industrial, abastecimento público, esgotamento, drenagem pluvial - a necessidade de articulação com setores não usuários dos recursos, como gestão municipal, habitação e transporte urbano.

Do ponto de vista das articulações territoriais, o principal elemento buscado é a propensão institucional/legal à cooperação intergovernamental entre diferentes agregações territoriais, consideradas as três unidades básicas da Federação brasileira, a União, os Estados e os municípios.

Caracterização da Bacia do Alto Tietê

A Bacia Hidrográfica do Alto Tietê corresponde à área drenada pelo rio Tietê desde suas nascentes em Salesópolis, até a Barragem de Rasgão. Compreende área de 5.900 km2, com extensa superfície urbanizada e integrada por 35 municípios. Caracteriza-se por apresentar seus regimes hidráulico e hidrológico extremamente complexos, em virtude das profundas alterações introduzidas por obras hidráulicas e por efeitos antrópicos bastante diversos.

Os principais contribuintes do rio Tietê nas suas cabeceiras são os rios Claro, Paraitinga, Jundiaí, Biritiba-Mirim e Taiaçupeba que, juntamente com o próprio rio Tietê, compõem o quadro dos mais importantes mananciais de abastecimento da região, destacando-se os reservatórios Ponte Nova, Jundiaí e Taiaçupeba, projetados e implantados para abastecimento público como finalidade o controle de enchentes.

A Região Metropolitana de São Paulo, com seus 17 milhões de habitantes, é abastecida, em sua maior parte, por três grandes sistemas produtores: Sistema Cantareira, Sistema Guarapiranga - Billings e Sistema Alto Tietê.

Ademais, possui baixa disponibilidade hídrica por habitante, comparável às áreas mais secas do Nordeste brasileiro. Isto ocorre por estar localizada numa região de cabeceira e por ser o maior aglomerado urbano do país, apesar de contar com índices pluviométricos na faixa de 1.300 mm por ano. Para se sustentar, depende da importação de água de bacias vizinhas, como é o caso do Sistema Cantareira, uma reversão das cabeceiras do Rio Piracicaba, ao norte da Bacia do Alto Tietê. Mais ainda, a extensa ocupação urbana gera riscos extremamente altos de poluição e contaminação de todos os mananciais ali localizados. As tentativas de expansão deste sistema, as quais irão requerer novas reversões, dependerão de negociação com as bacias vizinhas, já que a região, como um todo, apresenta fortes demandas de abastecimento, industrial e agrícola.

Impactos sobre mananciais

As maiores taxas de crescimento populacional estão nas áreas de proteção a mananciais. A ocupação urbana descontrolada em suas áreas de proteção é a sua maior ameaça.

Tal ocupação traz esgoto doméstico, lixo e carga urbana difusa de poluição, levando ao comprometimento da qualidade da água bruta e à possível inviabilização de uso do manancial, dado o aumento do custo do tratamento e também a ameaça de redução da qualidade da água a ser distribuída para a população.

É importante enfatizar que a perda de qualquer um dos mananciais superficiais hoje utilizados para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo implicará transtornos irreparáveis ao sistema de abastecimento da região, dado o nível de investimento que será necessário para repô-lo: novas obras de barramento, captação, adutoras e, possivelmente, novas estações de tratamento, tudo isso em localidades muito mais distantes que os atuais mananciais. Os investimentos que foram feitos no sistema existente já estão amortizados e exigirem-se novos investimentos.

Impactos sobre a drenagem urbana

A impermeabilização do solo urbano, trazida pela expansão da mancha habitada, faz com que as cheias locais se agravem, problemática grave na Bacia do Alto Tietê nos dias atuais. O problema das cheias urbanas é um problema de alocação de espaço. Os rios, na época das chuvas, veiculam mais água e necessitam, para tanto, de espaço para esse transporte. O espaço assim ocupado é denominado várzea do rio. Ora, se a cidade ocupa esse espaço, o rio o reclamará de qualquer forma e invadirá as áreas urbanizadas. A única forma de controlar as enchentes é, portanto, prover espaço para que a água ocupe seu lugar, o que pode ser conseguido através da preservação das áreas de várzea, ou da criação de novos espaços de detenção/retenção, como é o caso da implantação dos piscinões na região.

Espaço, terrenos, imóveis, são bens valorizados nas áreas urbanas. Remover a ocupação das várzeas como medida corretiva é muito mais custoso, sob vários aspectos, do que prevenir a ocupação. Da mesma forma, "criar" espaços para armazenar o excesso como nos casos dos piscinões também é caro, principalmente à medida que a urbanização se adensa.

Um dos problemas recorrentes da ocupação de várzeas na Região Metropolitana de São Paulo é o modelo de implantação das avenidas de fundo de vale. Se por um lado elas têm a vantagem de ampliar benefícios do investimento público em drenagem e sistema viário, por outro elas induzem a um padrão convencional e adensado de uso e ocupação do solo que ao mesmo tempo contribui para o aumento das enchentes.

É essencial para a Bacia do Alto Tietê que se consiga conter a ocupação da várzea a montante da Barragem da Penha, bem como se consiga manter todas as vazões de restrição preconizadas pelo Plano de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, assim chamadas por delimitar a máxima capacidade de veiculação de vazão pelos canais existentes. Tais vazões somente serão viáveis com a implantação de fortes políticas de contenção da impermeabilização e da ocupação de várzeas.

A gestão integrada da água

A estrutura gerencial de recursos hídricos não tem competência legal para abranger outros setores que, embora muito influentes sobre a quantidade/qualidade das águas, não se caracterizam em si mesmos como usuários de recursos hídricos. É o caso particularmente dos setores de habitação e de transporte urbano, que são decisivos na determinação dos processos de uso e ocupação do solo e, portanto, com grande interferência sobre a preservação de áreas de mananciais e zonas de restrição de vazão de enchente.

A experiência pioneira da legislação de proteção a mananciais da Região Metropolitana de São Paulo trabalhada no âmbito da Emplasa1 na década de 1970 (leis 898/75 e 1172/76), representou um passo fundamental na integração entre os sistemas de gerenciamento de recursos hídricos e de planejamento urbano/metropolitano.

Depois fez-se uma nova legislação estadual de proteção aos mananciais - a Lei 9.866/97 - que passou a incorporar princípios do sistema de gerenciamento de recursos hídricos em sua estratégia de execução. Estes planos, articulados com o sistema de gerenciamento de recursos hídricos, são os principais instrumentos de gestão territorialmente descentralizada e funcionalmente abrangente definidos pela nova lei.

A conservação e o uso racional da água de uma perspectiva integrada

Uma outra dimensão da gestão metropolitana não coberta pelo sistema de gerenciamento de recursos hídricos é a regulação dos serviços públicos usuários de água. Há muitos aspectos da prestação dos serviços que interferem, indiretamente, na estratégia de gestão da bacia. Um exemplo é a cobertura e a eqüidade nos padrões de prestação dos serviços de saneamento básico internamente à mancha urbana. Se não houver uma diretriz definida entre os municípios integrantes da região metropolitana sobre quais áreas devem ser objeto de ação prioritária, em função das estratégias comuns de expansão urbana e ordenação do território, não há como o sistema de gerenciamento de bacia articular suas ações.

Uma visão mais abrangente dos programas e ações de conservação e uso racional da água impõe-se como elemento vital de uma concepção integrada dos sistemas de gestão da Bacia e de planejamento metropolitano. Esse tipo de programa, em grande parte baseados em ações de gestão da demanda, nem sempre é bem compreendido.

O espectro de atividades cabíveis em cenários de desenvolvimento básico, intermediário e avançado de uma política estável de conservação e uso racional da água (Silva et al., 1998) envolve, além de medidas diretamente relacionadas à redução de perdas e usos abusivos, várias possibilidades de interação com as competências dos municípios e do sistema de planejamento metropolitano.

É necessário que a estrutura de um programa metropolitano de conservação e uso racional da água se assente sobre uma competência gerencial atuante, que possa medir com clareza os custos e os benefícios associados a cada um dos níveis de ação preconizados.



Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000100007 , artigo feito pelo arquiteto Ricardo Toledo Silva.

 
 
 

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