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Fogo no Pantanal: como animais foram afetados e o que se sabe sobre a perda da biodiversidade

  • majutavares
  • 28 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura

O Pantanal está em alerta: com a incidência de focos de calor desde janeiro e incêndios maiores iniciados no mês de março, o bioma passa por uma situação delicada. Até hoje, o fogo consumiu entre 1.411.000 e 1.763.000 hectares, desses, entre 661 e 777 mil no Pantanal do Mato Grosso e até 980 mil no Mato Grosso do Sul. As detecções de área queimada são diárias e servem como alerta rápido para orientar bombeiros e brigadistas no combate ao fogo.


A natureza e seus membros são os que sofrem diretamente. De acordo com o biólogo Gustavo Figueiroa, da equipe do SOS Pantanal, ainda não há estimativas da perda de biodiversidade. No entanto, é possível apontar as possíveis vítimas. “Geralmente os animais mais lentos são os que mais sofrem. Serpentes, lagartos, jabutis, jacarés, tamanduás, macacos e antas são comumente encontrados carbonizados, ou com partes do corpo queimadas, por terem mais dificuldade de fugir”, comenta.


Segundo o biólogo, depois de controlado o fogo, projetos de pesquisas são capazes de avaliar a regeneração do bioma. Ele ainda comenta que as chuvas da semana passada foram importantes para extinguir os focos de queimada no Pantanal Sul, no entanto, o clima seco dessa semana proporcionou o retorno das chamas. “Já no Pantanal Norte, o fogo continua intenso”, finaliza.


Projeto afetado

Há um mês, uma mensagem no celular da bióloga presidente do Instituto Arara Azul, Neiva Guedes, a deixou em pânico: o fogo se aproximava de um refúgio das araras-azuis no Pantanal Norte. As chamas atingiram a fazenda São Francisco do Perigara, um local monitorado por ela há 15 anos, onde já foram identificadas mais de 15% de todas as araras-azuis que vivem na natureza.


O episódio despertou na bióloga uma lembrança traumática. Há um ano, um outro incêndio havia consumido o Refúgio Ecológico Caiman, santuário das araras-azuis no Mato Grosso do Sul. “Passou uma cena de terror na minha cabeça. Baseado no que venho aprendendo sobre as araras e a fragilidade delas, sei que são específicas, têm um requerimento de habitat restrito na natureza, se alimentam de basicamente dois cocos no Pantanal e usam 95% dos ninhos de uma única espécie de árvore. Eu sabia dos efeitos do fogo para elas”, explica.


20 dias foram necessários para controlar o incêndio que consumiu 70% da fazenda e, embora grupos de araras sejam vistos retornando para a propriedade gradativamente, a falta das palmeiras que compõem a dieta das aves fez com que elas devorassem frutos queimados. Segundo a bióloga, situações assim já provocaram lesões na pele de alguns filhotes e até a baixa na resistência das aves por conta da comida precária. Todos os impactos são violentos e duros, mas o tamanho da perda só poderá ser medido quando o fogo acabar, a chuva chegar ao Pantanal e as araras passarem pelo período reprodutivo.

“Buscamos agora abrir poços com água para todos os animais e tentar evitar novas queimadas. Futuramente, vamos pensar em elaborar um plano contra incêndios e, com relação às araras, instalar ninhos artificiais e até pensar numa estratégia de oferta de frutos buscados em uma região que não queimou. O prognóstico ainda é feio, porque estamos no início do período de estiagem, sem previsões de chuvas e enfrentamos as piores queimadas dos últimos 30 anos”, define Neiva Guedes.


Não é fogo natural, é fogo cultural. O pantaneiro tem tradição de colocar fogo no pasto para renovar a paisagem, os indígenas usam o fogo para renovar a roça e pescadores fazem fogueiras na beira do rio e, muitas vezes, esse fogo extrapola

— Neiva Guedes


Foi exatamente com o intuito de descobrir o impacto do fogo à biodiversidade e responder tantas outras questões sobre o Pantanal que, em 2014, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI) criou o Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP). Mas, se até em biomas onde o efeito do fogo já foi mais estudado, como o Cerrado, existem grandes dúvidas sobre o impacto na fauna, a crise é muito maior em um órgão ainda nem contemplado com uma lei orçamentária.


O desenvolvimento dessa instituição está nas mãos de pesquisadores como André Nunes, Filipe Arruda e Thiago Semedo, que investigam desde pequenos mamíferos do bioma até as consequências da queimada em formigas, anfíbios e besouros. Uma análise feita sobre o tema, de 2010 a 2016, já demonstrou que, apesar do impacto do fogo, os efeitos na biodiversidade tendem a desaparecer em quatros anos. Diante de 2020, porém, os especialistas se questionam: “com o aumento da frequência das queimadas, o impacto sobre a fauna seria mais severo? Com um tempo reduzido entre elas, a fauna conseguiria se recuperar?”.


Em um cenário de dúvidas, os pesquisadores ressaltam que o fogo talvez faça com que apenas as espécies mais resistentes consigam permanecer nas áreas queimadas e as mais sensíveis desapareçam. Embora haja esforço por parte de intuições e voluntários para o amparo de animais, muitos não resistem.

“Os resgates, na sua grande maioria, se limitam às espécies de médio e grande porte. Grupos que exercem importantes serviços ecossistêmicos como as abelhas e outros insetos têm suas populações diretamente e indiretamente impactadas e não há programas de resgates para eles”, definem os representantes do INPP.


Ameaça ao “bicho homem”

Os pesquisadores destacam que o fogo no Pantanal gera impactos diretos às populações humanas. Dinâmicas econômicas, culturais, ambientais e até de saúde pública estão relacionadas com o tema. O turismo ecológico, um dos grandes alavancadores da economia pantaneira, se vê intimidado tanto pela destruição quanto pelo receio de turistas.


Segundo os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal, as pessoas que vivem às margens dos grandes rios da região, chamadas de ribeirinhas, também vêem na natureza uma forma de qualidade de vida e sustento. “Há impactos, desde por motivos de saúde (problemas respiratórios), no curto prazo, ou a longo prazo, pela dificuldade de retomar parte da renda familiar que antes era complementada, por exemplo, pela venda de artesanato das folhas da palmeira carandá (Copernicia alba)”, exemplificam.



 
 
 

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