Conservação de Terras indígenas e sua contribuição para o meio ambiente
- majutavares
- 28 de mai. de 2021
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Os territórios pertencentes aos povos tradicionais cobrem uma parte significativa da Amazônia brasileira. Os benefícios dessas áreas são inúmeros, tanto para aqueles que trabalham com meio ambiente, quanto a própria comunidade científica. No entanto, apesar da importância dessas áreas para a reprodução física e sociocultural dos povos originários, além de serem imprescindíveis para preservação do clima e para o desenvolvimento sustentável do bioma, esses benefícios ainda são pouco reconhecidos pelas autoridades que governam o país [1]. À medida que nada é feito para proteger as comunidades indígenas que sofrem ataques de criminosos ligados a grilagem, garimpo ilegal, madeireiras e outras atividades relacionadas à exploração não-sustentável do meio ambiente, esses povos possivelmente sofrerão ainda mais consequências negativas decorrente das pautas de destruição ambiental que marcam o governo Bolsonaro [2].
As terras indígenas, considerando somente as presentes na Amazônia, incluem 173 etnias as quais reconhecem o valor da floresta e vivem em harmonia com o ecossistema, praticando integralmente o desenvolvimento sustentável [1], palavra esta que é, muitas vezes, utilizada em vão no modelo econômico vigente. Esta característica que marca a relação dos povos tradicionais com a natureza confere às áreas demarcadas um papel fundamental na prevenção e controle do desmatamento que, infelizmente, segundo dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - em 2019, aumentou consideravelmente na região.
O efeito inibidor do desmatamento, no entanto, pôde ser demonstrado no período entre 2004 e 2008, quando foi observada uma queda expressiva nas taxas de destruição da floresta. Neste período, foram demarcados como terras indígenas cerca de 10 milhões de hectares na Amazonia brasileira; outros 20 milhões de hectares foram protegidos através do PPCDAm – Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia – ação esta que permitiu uma queda de 37% da taxa de desmatamento em relação aos anos anteriores. Além do interior das terras indígenas, observa-se que a taxa de desmatamento médio em um raio de 10 km de distância dessas terras é de 7%, os quais se tornam 12% quando analisados a um raio de 25km das terras demarcadas. [1].
Além da importância para o clima, as áreas demarcadas têm papel importante para a conservação da biodiversidade regional, que pode incluir animais ameaçados de extinção e grandes sistemas hidrológicos, como o rio Amazonas e seus afluentes. As comunidades indígenas protegem 27% da floresta amazônica, representando um estoque de 27% do carbono da região. A retenção de carbono pelas florestas diminui a concentração do gás dióxido de carbono (CO2), um dos principais responsáveis pelo efeito estufa e consequentemente para o aquecimento global [1].
Outro ponto a se considerar sobre a necessidade da manutenção da floresta é quanto a importância que esse ecossistema tem para o regime de chuvas, tanto da região Norte quanto das regiões Sul e Sudeste, que dependem dos rios aéreos para trazer umidade e chuva. A substituição das florestas para as culturas agrícolas ou para o cultivo de pastagens resulta em um aquecimento médio de 5,4°C na temperatura regional. A principal consequência deste aumento se dá através da variação do ciclo hídrico regional, o que gera um distúrbio ecológico severo para todo o ecossistema [1].
Paralelamente a importância da preservação e conservação das florestas e das áreas demarcadas como território indígena, observa-se um constante movimento no Congresso Nacional para flexibilizar o licenciamento ambiental, o qual é uma garantia para a proteção desses territórios, assim como dos territórios associados aos Quilombolas. A lei do licenciamento ambiental, que visa substituir o Projeto de Lei n° 3.729/2004, foi aprovada em maio de 2021 pela câmara dos deputados. Cabe ressaltar que foi um projeto aprovado sem a participação dos povos e comunidades impactados e a principal consequência dele será o impacto direto às Terras indígenas, que serão exploradas sem que sequer sejam objeto de avaliação de impacto ou de medidas de prevenção, mitigação e compensação. A proposta do projeto inclui o licenciamento ambiental apenas para as áreas homologadas, o que exclui cerca de 40% das Terras indígenas que estão em processo de demarcação.
[2].
A oposição tentou barrar o projeto, entretanto, não obteve sucesso [3].
De acordo com o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), a aprovação da lei do licenciamento é o início da “passada da boiada”, pois o projeto foi submetido pelo vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária Neri Geller (PP-MT), o qual também dedicou parte do relatório para isentar a atividade agropecuária do licenciamento. Ainda segundo o deputado do PSB, o presidente Bolsonaro apresentou, logo ao início de sua gestão, uma lista com suas prioridades, onde foram incluídas a lei geral do licenciamento ambiental, assim como a lei da regularização fundiária, a PL da grilagem e, também, a regulamentação da mineração em terras indígenas [3].
Em respeito à questão da minimização de injustiças históricas com os povos tradicionais, Cristiane Dambros, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), pondera que:
“Considerando os aspectos legais para a demarcação das Terras Indígenas é possível afirmar que houve uma lenta evolução, porém o descaso histórico com estes povos permanece e ainda mancha de sangue nosso dia-a-dia, sendo vítimas de um sistema
violento e opressor.
No que tange as responsabilidades do Estado, tem-se a FUNAI, como órgão responsável pelo estudo e demarcação de Terras Indígenas, bem como auxiliar e garantir
aos povos indígenas a posse plenas de suas terras, também de proteger os povos isolados.
Considerando o contexto histórico brasileiro, a luta pela manutenção das Terras Indígenas é diária, pois muitas das decisões estão nas mãos de representantes políticos,
que em um rompante podem retroceder anos de luta e pequenas vitórias. [4]
Diante a essa situação, todo o embate sobre os interesses políticos envolvidos na temática socioambiental relacionada às áreas de proteção ambiental e demarcação de terras indígenas vem à tona, onde, ano a ano, a oposição trava longa batalha contra os interesses do atual governo que parecem ir a contramão de pautas ambientalistas. Os benefícios que as áreas destinadas aos povos tradicionais ocasionam para diversas pautas ambientais e sociais são comprovados cientificamente, no entanto, não encontra credibilidade no cenário atual de incertezas. A exploração não-sustentável e isenta de licenciamento ambiental é, na realidade, um risco para todos os seres vivos do planeta, uma vez que todos irão sofrer as consequências da devastação ambiental e da desgovernança.
Referências bibliográficas
[1] OVIEDO, Antônio. Demarcação de Terras Indígenas é decisiva para conter o desmatamento e regular o clima. 2018. Disponível em https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-monitoramento/a-demarcacao-das-terras-indigenas-e-decisiva-para-conter-o-desmatamento-e-manter-funcoes-climaticas-essenciais
[2] CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Manifesto contra o projeto de lei que quer acabar com o licenciamento ambiental no Brasil. 2021. Disponível em https://cimi.org.br/2021/05/manifesto-contra-o-projeto-de-lei-que-quer-acabar-com-o-licenciamento-ambiental-no-brasil/
[3] ((O))ECO JORNALISMO AMBIENTAL. Câmara aprova projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental, ainda falta votar emendas. 2021. Disponível em https://www.oeco.org.br/noticias/camara-aprova-projeto-que-flexibiliza-o-licenciamento-ambiental-materia-vai-ao-senado/#comments
[4] DAMBRÓS, Cristiane. CONTEXTO HISTÓRICO E INSTITUCIONAL NA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL/Historical and institutional context in the demarcation of indigenous lands in Brazil. REVISTA NERA, n. 48, p. 174-189, 2019.
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